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| A de garrafa, que é a mais gostosa! |
Tem um episódio na minha vida que nunca esqueço quando se
trata de lembrar que eu, apesar de ter uma graduação, estar na segunda, ter uma
pós e ter trabalhado em diversos lugares cheio de pessoas privilegiadas socialmente,
continuo não passando de uma favelada.
Certa vez, em um desses lugares que trabalhei cheio de gente
embasada teoricamente que respeitam seu lugar de fala e que choram com a
desigualdade social, houve um piquenique, como sempre havia. Mas esse era
diferente! Foi combinado que seria um piquenique “Queijos e vinhos”, ou seja,
só com coisa fina! No grupo do Facebook, ao ser questionada sobre o que eu iria
levar, pensei que talvez nem todos bebessem bebida alcóolica. Pensando nessas
pessoas, respondi que levaria uma Coca-Cola. Quando declarei isso, uma dessas
pessoas engajadas e esclarecidas escreveu no grupo que eu era “De categoria”,
que era “Queijos e vinhos e não salgadinho e refrigerante” e que “tudo bem eu
levar Coca, mas que eu fosse com a fome condizente ao que eu levaria”. Na hora
eu fiquei extremamente em dúvida se essa pessoa estava brincando ou falando
sério. Senti-me constrangida, não pertencente ao grupo e tive grande vontade de
não comparecer ao piquenique no outro dia.
Quem é da periferia sabe o quanto aqui, certos artigos são
luxo. Não interessa se você acha um horror o capitalismo selvagem que a
Coca-Cola produz e que ela destrói seu organismo. Não interessa se você acha
uma atrocidade à matança dos animais e quer que o mundo seja vegano. Não
interessa que existam vinhos do mesmo preço de uma Coca-Cola ou se dá pra comer
bem sem comer carne: o que interessa é o valor simbólico embutido nesses
alimentos! A exemplo disso, uma tia de alguém que conheço , em uma conversa
disse : “ Hoje eu sou rica! Não reclamo de nada! Eu nunca pensei que teria
carne, frango, linguiça todo dia na minha geladeira!”.
Pro pobre, certas
coisas tem uma grande simbologia de riqueza e poder, de sucesso. Porque
simbolizam fartura, simbolizam que você mais do que QUIS comer, PÔDE COMPRAR!
Muitas vezes, eu que sou hoje uma mulher acadêmica e que nos
meus trabalhos sempre convivi com pessoas que viajam pra Europa todo ano, que
ouço de olhos brilhantes eles descreverem como é o Museu do Louvre, me esqueço
de que para grande maioria, eu estar ali, vir de onde vim, ser quem eu sou,
causa um grande e indigesto incômodo!
Dão palestras e seminários sobre interseccionalidade, falam
do índio, falam do negro, falam da mulher negra e periférica, falam dos mlk
piranha dando rolêzinho no shopping, mas de uma forma assistencialista, de uma
forma de “vamos dar espaço pra eles, mas não o nosso”.
Quantas vezes eu tive que pegar 3 conduções, sair do extremo
leste, pra ir pro Parque do Ibirapuera discutir sobre “Inclusão social” ? Não é
irônico?
Ás vezes eu canso, eu penso em me por no meu lugar. Olho a
minha volta e me pergunto porque escolhi esse caminho, porque não fui fazer administraçãoo, trabalhar no banco?
Porque insisto em dar murro em ponta de faca em lugares que não me querem ali?
Mas é aí que cai a ficha: Exatamente por não me quererem, é
ali que eu tenho que estar!
Porque sou educadora.
Porque sou politizada.
Porque sou da periferia.
E porque quero abrir uma ferida bem grande no meio de vocês,
para dar passagem para mais pessoas como eu ocuparem o lugar que vocês pensam
serem exclusivos SEUS!

"Hoje eu sou ric, nunca imaginei que teria carne, frango e linguiça todo dia".
ResponderExcluirAchei seu texto lendo os comentários do Ricardo. A identificação é natural. Vocês que escrevem deviam nos presentear mais com esses textos.
Muito obrigada!Aquele texto dele me tocou profundamente!
ExcluirMaravilhoso seu texto! Me identifico com cada vírgula dele por td o que vivi e ainda vivo.
ResponderExcluirEstudo geografia e inventei de ir em um encontro rgional de estudantes de geografia do sudeste... Ai menina, imagina eu ali, gorda, 27 anos, estudante de faculdade particular. Pois é, no meio de tanta gente branca e magra de 18 anos que estudam na USP, unicamp, UFF, IFF... Eu era silenciada o tempo todo, ninguém deixava eu falar, ou quando eu falava ninguém dava atenção. Obvio que não eram todos, conheci um monte de gente bacana que me tratou com respeito, mas a maioria me olhava como se fosse um et.
O mais engraçado é que essas pessoas pensam que fazem uma grande revolução, mas a única revolução que vejo eles fazerem é a do ego. Do textao no face, das viagens loucas, das orgias, da maconha... Td mundo quer aparecer mas poucos ali realmente ten a noção de que podem e devem mudar as coisas pq tem poder pra isso dentro da sala de aula.
Pra eles politica é rolê, né?
O meu problema é que mesmo eles não querendo, eu falo!Eu abro meu caminho no meio deles, eu pego o microfone e falo mesmo!Hahahaha.
ExcluirTenho 26 anos agora e tbm estou sentindo essa estranheza da idade.Não vamos nos calar!
Lendo o teu texto lembrei dessa: "Eu vou dar meu desprezo Pra você que me ensinouue tristeza é uma maneira Da gente se salvar depois". Academicismo de pseudos ativistas me cansa muito e confesso, já não tenho sua paciẽncia, me afasto mesmo. Outras vezes olho e me calo. Cheguei naquele chato exato ponto da vida em que palavras são um tiro. Minha profissão me mostra as pessoas em sua totalidade como são: vulneráveis apesar de todo achismo relacionado a 'classes sociais'. Concordo com cada palavra de seu texto. Nessa tchurma aí tb incluo um monte que dentro do vazio de suas vidas brinca com outras. Exemplo? No RJ os Colégios estaduais estão em greve e já são mais de 60 escolas ocupadas por alunos. Há escolas ocupadas em todas as lovalidades do estado, mas o que se vê e se vive é uma interação e busca muito mais intensa pelas escolas próximas ao centro, as da baixada 'continuam sofrendo' sem atenção para preencherem com atividades o seu dia a dia. 'Ativismo seletivo?' Cansei de falar que sem o intercâmbio e interação de todas as zonas do Estado, não iremos longe e a luta de classes continua com seus recortes, sem essa maravilhosa oportunidade de aprendizado.Falei, falei e calei. Perdemos todos quando não nos olhamos nos olhos. Quanto a vc continue a dizer, a colocar sim o dedo nas peles 'brancas e limpas deles'. Carinhosamente deixo pra ti, o sonho, a verdade possível, o tiro [rs], a força e a beleza de uma mulher fascinante: "Sou "indesejável", estou com os individualistas livres, os que sonham mais alto, uma sociedade onde haja pão para todas as bocas, onde se aproveitem todas as energias humanas, onde se possa cantar um hino à alegria de viver na expansão de todas as forças interiores, num sentido mais alto – para uma limitação cada vez mais ampla da sociedade sobre o indivíduo."
ResponderExcluirMaria Lacerda de Moura
Parabéns pelo texto. Pela coragem de contar um pouco da sua História, das suas percepções do mundo.
ResponderExcluirEscreva moça!Deixe fluir...
ResponderExcluirlEMBREI DE TI https://www.youtube.com/watch?v=dXtD1Jg9CaI
ResponderExcluirDayane, pq você saiu do grupo?
ResponderExcluirPorque vc saiu do grupo?
ResponderExcluirNão sei de qual grupo fala
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