Dificilmente dou chances para um
autor contemporâneo me capturar. Tenho ainda aquela pretensiosa ideia de que
existe “boa e má literatura” e que a da atualidade não tenha muito a primeira
opção. Contudo, fui capturada pelo canto da sereia de Amenina Submersa e isso
quase não é uma metáfora.
O livro conta a história de India
Morgan Phelps, ou Imp, como prefere ser chamada.
Imp é uma jovem artista plástica de
24 anos que mora sozinha e trabalha em uma loja para artigos artísticos. Ela
tem uma namorada, Abalyn, que se tornou isso meio que por acaso. Sua mãe
suicidou-se em um sanatório devido à sua loucura, loucura esta, que Imp herdou.
Ela sofre de esquizofrenia desorganizada, mais tarde diagnosticada como
esquizofrenia paranoide.
O que mais me capturou na história
foi algo sutil, mas nunca antes pensado por mim. No início do livro, Imp diz
que vai começar a escrever uma história sobre fantasmas. Logo espero algum
conto fantástico de terror, mas o que ela diz sobre fantasmas fez com que eu
repensasse uma série de coisas ao longo da história mundial e ao longo, é
claro, da minha própria história.
Fantasmas para Imp não são almas
penadas de pessoas que já morreram. Para ela, podem ser pequenas coisas que
passaram por você e te marcaram tanto que nunca mais te abandonam, podendo te perseguir
dia e noite, pelo resto de sua vida.
Foi o que aconteceu com ela ainda
criança ao ver em um museu uma pintura chamada
A menina submersa. A pintura mostra uma garota nua dentro de um rio, no
meio da noite, com água até os joelhos. Teve um poder tão grande sobre a mente
de Imp que foi a partir daí que começaram a surgir suas alucinações, até que em
uma noite tudo se torna real e ela encontra nua, na beira da estrada, Eva
Canning, uma mulher que transforma-se numa obsessão enorme em sua vida .
No caso de Imp, esse acontecimento e
mais alguns fizeram com que sua doença se manifestasse de maneira
enlouquecedora. Será que se ela nunca tivesse visto esse quadro, sofreria
dessas alucinações? Se sim, será que seriam as mesmas?
Imp fala também que fantasmas podem
se espalhar e tomar a vida de outras pessoas. Um exemplo usado no livro é O rio
dos suicidas. Um escritor escreve um livro sobre um rio no Japão, onde pessoas
costumavam se suicidar. Após ter escrito esse livro, muitas pessoas que o leram
foram até o rio citado para cometer suicídio. Inúmeros fatos sobre esses
“fantasmas que se espalham” são relatados ao longo da história. Charles Manson
diz ter se inspirado na música “Helter Skelter” dos Beatles para cometer seus
assassinatos. Outro exemplo foi o filme Matrix ter sido fonte de inspiração
para os adolescentes que cometeram o Massacre de Columbine, em Columbine High
School.
De maneira alguma digo que filmes,
músicas, jogos ou qualquer manifestação sejam as responsáveis pela influência
que possam causar na mente de algumas pessoas. Um ou outro alguém que por conta
de alguma patologia se deixe levar à ponto de perde-se em si mesmo por influências
externas não deve ser tido como regra, mas como exceção. Também não digo que estes fantasmas irão
determinar nosso destino: eles podem até nos perseguir, mas a escolha com o que
faremos com eles é nossa. Como disse Sartre “Não importa o que fizeram com
você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.”,
frase/fantasma que recebi da minha psicóloga anos atrás e que sempre vem-me
“assombrar” quando preciso. O que me questiono é se seríamos quem somos não
fosse aquele dia, aquele momento, aquela música ou aquele filme. Pensaríamos no
amor como pensamos, se na hora do nosso primeiro beijo não tivesse tocado
aquela música? Tomaríamos a decisão que tomamos se não tivéssemos ouvido aquele
conselho aleatório de uma senhora para uma amiga na fila do banco? Nossa vida seria
diferente, se não tivéssemos lido aquele livro, ou namorado aquela pessoa?
Pensando sobre isso, tomo para mim a responsabilidade do que falo e como cada
palavra extraída de minha boca pode se tornar um fantasma na vida de alguém.
A escritora Caitlín R. Kiernan traz
inúmeras referências ao longo da história que fazem você ficar cada vez mais
submerso na mente de Imp. Nelas, estão presentes bandas como Radiohead e This
Motal Coil, simbologia sobre o arquétipo das sereias, histórias reais sobre
fatos ocorridos nos Estados Unidos, literatura, como Moby Dick e mais vários
relatos das personagens que acompanham Imp em sua trajetória e que acabam,
direta ou indiretamente, criando mais fantasmas em sua jornada.
Uma dica antes de ler A menina
submersa é fazer uma pesquisa sobre Esquizofrenia e entender o porquê da mente
de Imp funcionar como funciona, além de ajudar a desmistificar preconceitos com
relação a doença.
O livro me trouxe inúmeras reflexões,
tanto do campo da saúde mental quanto sobre como encaramos e lidamos com esses
acontecimentos da vida que nos atravessam de maneira tão enfática. Recomendo a
leitura à pessoas que querem se conhecer melhor e que não tem medo de andar
lado a lado com todos os seus fantasmas!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sinta-se á vontade